Dolores nas mãos
A minha
intimidade com Dolores vem de muitos anos, desde a infância e adolescência. Ela
era uma presença Vip em momentos cruciais, era tenso vê-la tão ameaçadora
diante de mim. Se fosse uma triz,
Dolores seria a triz principal, daquelas que surgem no último ato da peça para o grand finale.
De vez em
quando eu e meus irmãos aprontávamos alguma coisa, e minha mãe (naquela época
vivia de pavio curto) não gostava, ela apelava para “Dolores”. Impassível e
cruel, Dolores tinha muita intimidade com meu corpo, desde as mãos, braços e
pernas, até o meu traseiro. Esse, ficava mais prejudicado com a presença dela. Minha mãe sentia uma mistura de dever cumprido
e culpa ao ter que apelar para a nobre palmatória.
Tinha os castigos do tipo: não ir à festa do
amiguinho, não sair para brincar e ir dormir mais cedo. Havia também aqueles
castigos mais brabos, como ajoelhar nos caroços de feijão ou milho até o joelho
doer para aprender a não repetir o erro. Era a educação do meu tempo, onde não
se questionava as ordens dos pais e se respeitava os mais velhos. Cada um sabia
o seu papel dentro do seio familiar. Não era a Tv que educava os filhos e nem
tão pouco as babás. Ouvi um “não” fazia parte do processo educacional. “Você
não vai sair e ponto final!”, “Você quer, mas não vou te dá esse brinquedo!” ou
“Não vai brincar porque você fez malcriação”. E ai daquele que insistisse ou
saísse batendo os pés, “a madeira” gemia no lombo, como diria Voinha.
Naquele
tempo a educação era formada pela tríade: limite, rigidez e obediência. É claro
que havia amor nas relações entre pais e filhos, mas existia a preocupação de
se passar valores e princípios essenciais na formação do caráter do indivíduo.
Não estou aqui dizendo que se deva educar na base da palmatória ou outros
castigos, mas que a autoridade dos pais se faça presente na relação com seus
filhos. Pais não podem tratar os filhos como coleguinhas, nem tão pouco satisfazer
todas as suas vontades dos mesmos. Não se pode dar o direito de escolha a um
ser que não tem maturidade suficiente para discernir as consequências de seus
atos.
É cada vez
mais comum ver crianças e adolescentes decidirem a hora de comer, de dormir, o
que comer e vestir, se apropriando do controle da Tv e dominando a rotina da
família. A cena se repete em milhares de lares brasileiros com a permissividade
dos progenitores. Sem contar a liberdade total de usar celular, baixando vídeos
com conteúdo inadequado para faixa etária, ouvindo músicas com letras
impróprias, picantes, que incentivam o consumo de bebidas, drogas e sexo, além
de desvalorizar a figura da mulher chamando-a de cachorra, vadia, piranha e
outros nomes “carinhosos”.
Parece que hoje a educação se inverteu, os
pais estão perdendo a autoridade e a capacidade de educar os filhos. A ausência
dos responsáveis no lar para acompanhar com atenção o desenvolvimento da
criança é provocada, muitas vezes, pela necessidade de trabalhar. Mais tempo no
trabalho, menos tempo com os filhos. E para compensar essa ausência e tentar
apagar a culpa por não estarem próximos aos filhos, os pais dão agrados de
todos os tipos, desde presentes a viagens. E são condescendentes às atitudes
erradas e falhas desses seres. Dizem frases do tipo: ‘Eles são crianças”, “A
gente também já foi criança”, “O pai dele também era assim e mudou”, “É uma
fase, vai passar” e etc.
Sem contar
que muitas famílias estão deixando, cada vez mais, a tarefa de educar para a
escola. Os professores além de darem conta da rotina escolar, se deparam com
crianças e adolescentes mal-educados, respondões, mentirosos, desinteressados,
agressivos e ousados. E são os docentes que tentam dar um limite a esses seres,
dizendo não em vários momentos e não aceitando o péssimo comportamento dos
alunos em sala de aula. Não que eles sejam “educadores” e isso seja uma função
deles, como pregam alguns teóricos e a sociedade de modo geral. A tarefa de
educar é de responsabilidade da família e não do professor. A ele cabe fazer a
ponte entre o aluno e o conhecimento, colaborando para formação intelectual do
discente.
Há ainda
inúmeros docentes que sofrem agressões físicas e ameaças por parte dos alunos,
seja em escola pública ou privada. E o mais chocante é constatar que alguns
pais procuram vitimizar suas crias, amenizando a situação e colocando parte da
responsabilidade no professor. Afinal, é mais fácil culpar o outro do que
assumi o próprio erro, assumi a falha na educação dos filhos.
É bom lembrar que a vida de uma criança ou adolescente não é
somente norteada por direitos, há deveres também. E esses, precisam ser
expostos desde cedo, colocando no indivíduo o senso de responsabilidade.
Reinaldo Souza em: 05 de Nov. 2017
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